escritorHumberto Pinho da Silva
Jornal da Cidade( Poços de Caldas- MG)
Há encantadora lenda que recorda a seguinte cena: em calmosa noite de Estio, Ludwig van Beethoven estava em Heiligenstadt. De súbito, perambulando por antiga e deserta rua, escutou, com assombro, harmoniosos fragmentos da Sonata em fá maior. O compositor era duro de ouvido, e não conseguiu descortinar a proveniência dos sons. Porém, apurando as orelhas, descobre, a custo, que de janela escancarada, havia piano tangido por esguios dedos de jovem cega. Conturbado com a comovente cena, o compositor abeira-se da adolescente, e em voz embargada e olhos rasos de lágrimas, declara: - Menina! Deixe-me tentar traduzir em música o lindo luar que se vê desta janela!Assim nasceu a famosa Sonata para Piano Nº 14, “Ao Luar”. Todavia, há outra lenda, quiçá mais bela, que asseveram verídica: Beethoven andava extremamente melancólico. O mecenas e protetor falecera e nos amores só deparava desenganos e incompreensões. Mal escutava, e, ao palestrar, tinha que recorrer ao caderninho que sempre trazia. Sentindo-se quase surdo, só, abandonado e profundamente infeliz, Beethoven arrastava a angústia pelas ruas de Heiligenstadt. A idéia fixa do suicídio não lhe dava descanso. Ao agasalhar-se na modesta pensão em que vivia, deparou com menina cega, debruçada no peitoril da janela, olhando o céu. O luar banhava-lhe o rosto, mas a rapariguinha não o sabia.Pressentindo o compositor, volta-se, e diz-lhe em doce e quase chorosa voz:- Dizem, Sr. Beethoven, que está um lindo luar! Como gostaria de o ver!Não se conteve. Copiosas lágrimas caíram-lhe pela face, a sombra da melancolia assombrou-lhe o rosto. Afinal havia alguém mais infeliz do que ele!… Podia ver a luz, gozar o luar, apreciar a beleza e o feitiço da natureza, observar o desapontar de alegre manhã de Primavera… mas aquela moça vivia condenada à eterna escuridão…Refletindo, verifica que possuía, ainda, o refúgio da música, a alegria do triunfo. E sentando-se ao piano, disse-lhe, tomando-lhe a mão com ternura:- Vem cá! Vou transformar o luar que cai sobre a cidade, em música.Dedilhando as teclas, tocou a famosa Sonata, meditando na cegueira e na morte do amigo recentemente falecido.Andaram os anos. Beethoven quis agradecer a Deus a graça de o ter livrado do pesadelo do suicídio e compôs o “Hino à Alegria”. Foi em Viena, a 7 de maio do ano de 1824. Completamente surdo, Beethoven não escutava o caloroso aplauso. Então, Carolina Unger volta-o para o público. Extasiado, olhos úmidos de alegria, o compositor vê a estrondosa salva de palmas e centenas de lenços brancos, acenando. Naquela noite de apoteose, que o eternizou, o duro, mas delicado coração de Beethoven chorava… Lembrou-se da menina cega e do desespero em que vivia, e, como notas de música, ecoaram na mente do compositor as lastimosas palavras:- Dizem, Sr. Beethoven, que está um lindo luar! Como gostaria de o ver!*
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